por leo | jun 20, 2016 | Blog
Leo Villanova em meio às suas obras expostas durante a mostra ALas, na Galeria Gamma
14/06/2016 – Por Jorge Barboza
Em Alagoas, Léo Villanova é um nome forte como publicitário tanto quanto como chargista. Com incontáveis prêmios abocanhados pela agência de publicidade que ajudou a fundar, a Six – entre as maiores do Estado, senão a maior –, atualmente goza de notável prestígio como autor de impagáveis charges políticas. No jornal Gazeta de Alagoas, especialmente nesta época de “golpe de Estado brando” (aproveitando, fora Temer!), Villanova tece a crônica do desastre político brasileiro, alimentando, diariamente, as nossas esperanças e frustrações sociais, ah, Brazil…
Bem, o que conhecemos pouco, ainda, é o artista voltado ao desenho puro e simples – no caso, os desenhos da paisagem urbana de uma jovem Maceió, do início até a metade do século 20, expostos na capital, na galeria Gamma, à rua Luiz Ramalho de Castro, 899, bairro da Jatiúca. A exposição, chamada “ALas”, reúne também os fotógrafos Felipe Camelo, Joaquim Prado e Roberto Fernandes, além do colega chargista Ênio Lins. Estreou no final de abril, para uma temporada de um mês, e o público respondeu tão bem (o vernissage foi concorridíssimo) que a galeria decidiu adiar o encerramento da mostra, marcado inicialmente para o dia 28 de maio, prorrogando-o afinal para o sábado (25/06).
Na semana passada, a reportagem foi ao encontro de Villanova na galeria. Respondendo a uma inquirição que sugere que a capital era muito mais linda à francesa no início do século passado, diz que, se a cidade era “supostamente mais bonita e tranquila”, o motivo é que “não existia o caos que é o excesso de população hoje em dia”. “Esse é o problema maior aqui na cidade da gente. Por não ter sido planejada, Maceió criou esse inchaço.”
Avenida da Paz, início do século XX, em ilustração de Léo Villanova
Ele explica o “desmantelamento” do patrimônio histórico da cidade, atribuindo esse fenômeno à transferência dos domicílios da região central para o litoral mais ao Norte. “As pessoas se mudaram de uma área da cidade para outra. A partir da década de 1970, passou-se a residir em outras áreas, como a faixa litorânea Pajuçara-Ponta Verde. Mas não existia planejamento – aquilo ali sofreu um surto, uma explosão.”
Léo Villanova é formado em Comunicação Social, mas, também, fez o curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas. “Essas outras áreas da cidade, como o Centro, que é o que se vê retratado aqui, ficaram abandonadas. O centro comercial de Maceió a partir da década de 1990 foi esquecido.”
Praça dos Palmares no final da década de 1940, onde se localizava o Hotel Bella Vista, considerado por muito tempo a construção mais bela da cidade
Pensando bem, não há mesmo nada na paisagem urbana atual que se compare em imponência e beleza ao extinto hotel ali na velha praça dos Palmares, o formoso e famoso Bela Vista, representando naqueles tempos a sobrepujança da capital alagoana mesmo diante da metrópole pernambucana, Recife, a 254 km de Maceió.
“A construção de hoje não é feita para durar muito tempo, a qualidade é outra, tudo tem de ser barato e que se adeque ao orçamento. E o orçamento ninguém sabe como é feito. A gente imagi-na que o orçamento destinado à construção pública poderia dar mais qualidade aos edifícios, porém, sabemos que os projetos originais são modificados.”
Retratado por Villanova, o hotel Bela Vista é um símbolo da capital na primeira metade do século 20, com uma arquitetura neoclássica a imitar as cidades europeias (Roma, Paris) e cuja imagem fotográfica, de dois anos para cá, circula ininterruptamente nas páginas do Facebook. Muitas fotografias dessa belle époque tardia maceioense viralizaram nas redes sociais e isso até apressou o passo do desenhista.
“Esse projeto de recuperar esse patrimônio, pelo menos de forma iconográfica, de arquitetura e patrimônio urbano da cidade, já é antigo. Na verdade, meu projeto era fazer uma coisa diferente. Mas, de três anos para cá, quando apareceram essas fotos, que ficaram circulando principalmente no Facebook, aí me deu essa vontade de fazer esses desenhos. Por quê? Eu vi que muitas pessoas foram acometidas dessa nostalgia e outras da curiosidade de saber o que era a cidade. Mas a qualidade dessas imagens que circulam é muito ruim para você ter noção de detalhe. E a tendência é cada vez que essas imagens forem se reproduzindo nesses meios, elas vão piorando na qualidade. Isso porque os sites fazem uma compressão muito alta e a qualidade vai sumindo – daqui a pouco, vai estar só um borrãozinho e você vai ter de adivinhar o que tem ali. E como esses sites serão os principais meios de divulgação dessas imagens, senti a necessidade de fazer esse resgate – me deu um desespero de querer fazer logo o trabalho. Porque vai ficar difícil de eu tentar achar os originais, informações, pessoas que tenham acervo.”
Praça D. Pedro II, Centro de Maceió, em meados da década de 1940
Para compor uma imagem, muitas vezes foi preciso utilizar mais de uma fotografia como modelo – “para conseguir informações iconográficas, de alguns detalhes”. E há, também, a pesquisa de outros elementos que Léo vai inserindo no desenho. Ele explica que os fotógrafos costumavam fazer esses registros aos domingos. “A cidade ficava vazia, por isso as lojas aparecem fechadas.” Foi assim que decidiu adicionar outros elementos ao desenho: os transeuntes, os carros, os clientes nas lojas, gente atravessando a rua, o passageiro acenando para o bonde parar.
“Tive de pesquisar o bonde dessa época e então inseri-lo. Depois fui pesquisar os carros. A pesquisa não pode ser aleatória, não posso colocar qualquer tipo de carro. Essa cena aqui, nos anos 1940 – tenho de saber quais os carros que vinham para Maceió. Eu sabia que aqui tinha Ford, mas tive de pesquisar as revendas que tinham. Trabalhei com livros, jornais da época, almanaques.”
Rua do Comércio, Centro de Maceió, retratada como existiu na década de 1940
O resultado é perfeito – uma Maceió viva no desenho mais do que na fotografia de domingo. Ainda serão rabiscados os bairros do Bebedouro, Farol, outros locais da região do Centro, o Jaraguá. “Há um fenômeno populacional da década de 1970 para cá. Hoje temos cerca de um milhão de habitantes – nos anos 1970 vamos dizer que tivesse menos da metade disso. Então a população que se estabeleceu na cidade, que nasceu depois e todo mundo que veio, que migrou para cá, não têm relação nenhuma com a cidade antiga. A história que é contada através desses prédios, desses monumentos, desses logradouros antigos não tem nada a ver com essa população que veio, que hoje vive na cidade.”
Segundo Villanova, a maioria das pessoas que viu os desenhos nessa exposição “não tem a menor ideia da localização dos pontos retratados”.
Então se liga, a exposição fica somente até o sábado. Se não der para levar um quadro (em média, R$ 3.500), o livro com as ilustrações virá na sequência. Daqui a, no mínimo, 32 fins de semana. É que, além das oito imagens que estão na mostra “ALas”, o artista planeja desenhar mais 32, e cada desenho desse ele o faz num final de semana. “Em alguns fins de semana ainda levo coisas da agência para casa, mas geralmente começo o desenho na sexta à noite e no domingo ele já está pronto.”
‘ALas’ – Exposição dos trabalhos dos fotógrafos Felipe Camelo, Joaquim Prado e Roberto Fernandes e dos chargistas e ilustradores Léo Villanova e Enio Lins. Até sexta-feira, das 14h às 19h, e no sábado (25/06/16), encerrando a mostra, das 9h às 13h.
Galeria Gamma – Avenida Luiz Ramalho de Castro, 899, Jatiúca. Tels. (82) 3377 3979 e 99920 6033.
Matéria publicada originalmente no portal cultural Alagoas Boreal em 14/06/2016.