Abutres rondam monumento a Martí

Sem dúvida alguma, a guajira mais famosa de Cuba é ‘Guantanamera’. De tanto tocar no mundo inteiro, transformou-se para muita gente em uma música mala, tal qual aquelas do Geraldo Azevedo que são executadas obrigatoriamente nos barzinhos com som ao vivo, voz e violão, de Maceió. Daí, ninguém passa a nem prestar atenção no que ouve, perdendo a oportunidade se aprofundar na eventual mensagem da canção. Bom… guajira eu sabia que é um dos estilos musicais cubanos, guantanamera é algo ou alguém que vem de Guantánamo, no extremo leste da ilha. Mas somente já em Cuba fui descobrir que a letra da canção famosa foi retirada de versos de um poema de José Martí, vendo-a escrita nas paredes do memorial ao poeta, na capital do pais. Tendo oportunidade e interesse de me aprofundar nessa questão, deu pra entender por que essa música é tão importante pra os cubanos, se transformando numa espécie de hino informal.

José Martí é herói de primeira grandeza da nação. Antes de qualquer outro, seu nome é o primeiro a ser cogitado para ser colocado em ruas, escolas, hospitais ou o que mais merecer uma placa a ser fixada em Cuba. Martí foi o principal dos revolucionários idealizadores da independência e brigou até a morte na guerra de Cuba contra a colonizadora Espanha, no apagar das luzes do século XIX. A luta continuou após o seu desaparecimento. Quando a vitória cubana era irreversível, os Estados Unidos, oportunistamente, entraram na guerra. O roteiro final desse conflito não é dos mais criativos. Pra entrar nessa guerra, os americanos se aproveitaram da desculpa de ter ocorrido um suposto ataque ‘terrorista’ a um dos seus navios que voou pelos ares na Baía de Havana. Em represália, os ianques detonaram outros barcos dos espanhóis, que, já em clima de fim de festa, bateram em retirada dando a parada como perdida. Os americanos a partir daí começaram a vender a idéia que foram os libertadores de Cuba, e, já na primeira constituição do novo país independente, fizeram os cubanos engolirem descendo quadrado a famigerada Emenda Platt, que, em poucas palavras, dava aos Estados Unidos direito de intervir na hora que achassem necessário, da maneira que lhes aprouvesse, nos assuntos de Cuba. De brinde, ainda exigiam para uso por tempo indeterminado uma área em Guantánamo, ponto estratégico no Caribe, onde montaram a base militar que mantêm firme desde então e foi o parque de diversões dos torturadores da era Bush.

Che imortalizado na fachada o Ministério do Interior

Ele desistiu de esperar um leitor do Granma

No monumento- museu a Martí, a história da independência e revolução cubana é contada pondo-se de lado essa participação especial dos imperialistas do norte. Junto aos salões que expõem a vida de Martí e sua luta, há um outro dedicado ao segundo personagem mais cultuado pelos cubanos: Che Guevara. A imagem do guerrilheiro é tratada com a devida reverência na Ilha. Enquanto que no resto do mundo aquela foto famosa do
revolucionário pode ser vista estampando até biquínis, lá foi reproduzida em bela estilização na fachada do ministério do Interior, que fica justamente em frente ao monumento a Martí. Minha dúvida fica em relação a Fidel. O fim de sua estada no poder e do regime que comandou por quase 50 anos tem feições melancólicas. A maioria das fotos dele que vi nas paredes de casas, bares ou padarias – nunca em repartições ou prédios públicos, por proibição oficial -, já estavam desbotadas. Em alguns lugares já foi até substituída por uma outra de Hugo Chávez. No caso de uma inexorável mudança política no país, tenho dúvida que no futuro abram mais um salão no memorial para deixar Fidel em destaque proporcional a Che e Martí.

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