O Palhaço

Giro 23-08-14 - Guerreiros 04
 
Personagem dos Guerreiros, folguedo típico de Alagoas.
Maceió, Alagoas – Brasil
 
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Ocupação desafia as leis – inclusive da física

Ocupação desafia as leis – inclusive da física

Em todo o mundo os grandes centros urbanos são significado de oportunidades para qualquer um. É natural que quem precisa de emprego queira estar onde ele é mais abundante. Quem vive do comércio ou presta serviço, tem mais chance de prosperar onde haja mais público. Cidade grande é sinal de progresso e, na mente de muitos, isso tem a ver com bem estar. Mas, entre essa vontade de se estabelecer onde se imagina que a vida possa ser melhor e a realidade, existe uma lei que diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar. Vários, então, nem pensar. Essa lei é menos aplicável ainda nos grandes centros urbanos do nosso país.

Há décadas que a falta de aplicação de políticas públicas nas grandes cidades e mais a negligência em se investir em habitação, transportes e saneamento fizeram com que esses centros se convertessem em ambientes refratários a quem quer a eles se agregar. Os booms imobiliários completaram a equação, fazendo com que a lei da física fosse ainda mais seletiva determinando qual tipo de corpo vai ocupar cada lugar. Mesmo assim existem as pessoas que insistem em buscar seu espaço no meio do caos. Um exemplo são os sem-teto que tentam se estabelecer em espaços relegados. A chance de isso dar certo é muito pouca, pois nas grandes cidades lugar vazio ou abandonado não significa ausência de dono.

Um grupo organizado de sem-tetos, expulsos de um terreno que haviam invadido no bairro de Santa Lúcia, em Maceió, passaram a ocupar prédios abandonados no Centro da cidade – os edifícios Ari Pitombo e Palmares que serviam ao INSS e foram esvaziados por que apresentam sérios danos estruturais. Até momento dessa postagem, cerca de 300 famílias vivem nesses prédios improvisadamente em meio à imensa quantidade de lixo, pondo  suas crianças em constante risco de morte, pois os fossos vazios dos elevadores não têm quase nenhuma proteção, há pouca água para ser dividida por todos e o pior: há o perigo do desabamento das construções. O movimento acredita que insistir na permanência ali vai fazer com que eles consigam, através da iniciativa pública, moradias mais dignas. É uma aposta que pode custar muito caro para eles.

Fui ver de perto a situação dessas pessoas e, como sempre, complemento meu testemunho com algumas das imagens que  captei lá.

VEJA A GALERIA DE FOTOS DA OCUPAÇÃO DOS SEM-TETO

 


 

100 anos depois, uma nova luta contra a quebra de Xangô

100 anos depois, uma nova luta contra a quebra de Xangô

 Fim de festa na praia da Pajuçara, em Maceió.

Há 100 anos atrás aconteceu em Alagoas um episódio que ficou conhecido como “O Quebra de Xangô”. Foi um ato de violência empreendido por uma milícia que se denominava Liga dos Republicanos Combatentes, formada por veteranos de guerra e políticos, que invadiram e depredaram os principais terreiros de candomblé de Maceió. Eles destruiram imagens, queimaram as casas de culto, espancaram e mataram os pais de santo. A onda violenta também espalhou-se para o interior do Estado. A principal motivação para esse ato extremo de intolerância religiosa foi política. A Liga fazia oposição ao então governador do Estado, Euclides Malta, e o relacionava com o candomblé. Diziam que Malta se mantinha no poder à custa das “bruxarias” de sua protetora, a mãe de santo Tia Marcelina – que teria sido mortalmente ferida no Quebra.

Depois do evento criminoso, houve uma fuga dos pais de santo para outros estados, como Bahia, Pernambuco e Sergipe. Durante décadas, o culto afro praticamente sumiu das vistas da população em Alagoas e, até hoje, um dos reflexos do Quebra de Xangô é o preconceito às religiões de matriz africana no Estado.

Em 2012, talvez por conta de um resquício desse preconceito, um dos mais tradicionais eventos do candomblé e da cultura popular em Alagoas, a festa de Iemanjá, que ocorre todo dia 8 de dezembro, quase não se realiza no seu principal palco – a orla das praias de Ponta Verde e Pajuçara, em Maceió. Um decreto municipal quis limitar em tempo e espaço as festividades. Uma das alegações é que causariam incômodo aos moradores desses bairros da orla por conta de barulho(?). É de se estranhar, por que, somando-se todas as charangas de todos os terreiros que prestam sua homenagem a Iemanjá, seu batuque produziu infinitamente menos barulho que show gospel(!) que a prefeitura patrocinou para comemorar o aniversário da cidade. Era de se esperar menos preconceito e mais laicidade do poder público municipal.

O povo de santo de Maceió protestou e recebeu na Justiça a garantia de manter as festividades e evitar, 100 anos depois, mais uma quebra – dessa vez, por enquanto, apenas de uma tradição.
VEJA A GALERIA DE FOTOS DA FESTA DE IEMANJÁ