Saber sobre as Arábias

Saber sobre as Arábias

O caderno Saber da Gazeta de Alagoas de 12 de março, publicou um um testemunhal fotoeditorial meu sobre as convulsões no mundo árabe.

O convite para a publicação deste ensaio foi feito pelo amigo Enio Lins, jornalista responsável pelo caderno especial, que a respeito do trabalho comentou em seu editorial:

“Léo Villanova apegou-se às excursões exploratórias, mochila ao lombo e disposição para afastar-se dos pacotes turísticos. Depois de andanças pela velha e boa Europa, resolveu palmilhar o mundo árabe. Uma ousadia.
Auxiliando o atrevimento do alagoano, o acaso (ou Alá) acresceu no recente trajeto dele a insatisfação árabe para com as coisas que lhes querem impor, a começar pelos de casa, ou seja: pelos ditadores de plantão. Os sintomas da ebulição egípcia foram bem captados pelo incidental turista que postou, em cima da hora, suas preocupações e testemunhas em seu blog. E a revolta no Egito foi lhe dando razão, quando ele já estava em Maceió, longe da azáfama da praça Tahrir, que – como sabemos – findou na derrubada do presidente Mubarak.
Como as coisas seguem em ebulição nas Arábias (no sentido popular que identifica as regiões e populações árabes e islâmicas do Oriente Médio e vizinhanças), o momento é mais que oportuno para a publicação dos testemunhos desse alagoano atento”

Caderno Saber - Abril 2011

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As pessoas nas ruas do Cairo

As pessoas nas ruas do Cairo

Nos últimos meses de dezembro de 2010 e janeiro de 2011 realizei uma viagem que há muito tempo planejava fazer. O destino era incomum, pelo menos para a maioria das pessoas que eu conheço: o Oriente Médio e Norte da África. O planejamento era economizar tempo e dinheiro na jornada que incluiria Israel, Palestina, Jordânia e Egito. Mochila com mais ou menos 10kg nas costas e mais o equipamento fotográfico e um computador. Nos lugares, tentar sobreviver e me transportar, na medida do possível, como os habitantes locais. Depois, relatar e mostrar as experiências aqui, seguindo a ordem cronológica da viagem. A primeira parte deu certo e consegui voltar ileso pra contar a história, mas a segunda parte não saiu muito como o planejado. Até hoje não consegui domar a quantidade de fotografias e os fatos que se seguiram, alteraram a minha disposição de seguir aquela narrativa cronológica. Assim, começo falando dos dias finais da viagem, quando estive no Egito, país que está nas manchetes no mundo inteiro há mais de uma semana.

Jovens egípcios típicos, que nasceram sob o regime do Mubarak. Eram figuras comuns nas ruas da capital, desocupados ou procurando algum biscate, como vendedor de loterias, sempre na esperança de ascender socialmente e ter sua própria banca de camelô.

Cheguei ao Egito através da Península do Sinai e cada vez que fui me aproximando da capital uma sucessão de ocorrências, digamos, incomuns a um viajante normal, tornava a estadia no Egito por vezes desagradável. No Cairo parecia que essas dificuldades aumentavam e muito de proporção. Confesso que algumas vezes cheguei a ter inveja dos turistas empacotados que conseguem chegar em casa contando maravilhas das Pirâmides de Gisé, de um passeio no Nilo ou que nunca tiveram que atravessar a pé uma avenida na capital. Mas falar dessa ou outras cidades do Egito será assunto para outros posts aqui no blog. Agora, o que mais interessa agora são as pessoas que vivem naquele lugar e que são mostradas como multidões de milhões foram para as ruas após, de repente, acordarem de um pesadelo de 30 anos.

Esse era um vendedor de peças para carro com banca na rua. O Fiat atrás dele faz parte da frota de milhares de veículos decrépitos abandonados nas ruas do Cairo.

Na portaria de um hotel no Cairo encontrei alguém que desatou o falatório: “Quero ir embora desse país. Não aguento mais essa gente desonesta, essa confusão, desordem…” O cara ia falando e eu concordando, lembrando que até aquele momento, tinha passado por vários episódios que me faziam também testemunha daquele festival de reclamações. Desde o serviço de informações do aeroporto que jurava que não existia transporte público até a cidade, para em seguida tentar te fazer uma venda casada de transfer e hospedagem em hotéis, até os malfadados taxistas que te abordam na rua falando um inglês razoável e, quando você entra dentro do carro deles – que jamais tem taxímetro- , num passe de mágica esquecem a língua e você descobre que embarcou numa viagem possivelmente para o inferno. Lembrei também dos policiais que somente assistem ao caos das ruas, já conformados com sua condição de inutilidade social e também da imensa quantidade de camelôs nas ruas, exagerada até para uma cidade de 8 milhões de habitantes, revelando uma massa desempregada jogada no vale-tudo pra sobreviver. Aí eu já ia só balançando a cabeça e concordando com a ladainha daquele recepcionista.

Costume local é sentar nos bares para tomar chá, já que bebida alcóolica está fora de questão

Só que o detalhe era que ele não era um visitante chateado com um país que tinha tudo pra ser apenas fascinante, mas acumulava uma sucessão de decepções. Quem reclamava da vida era justamente o recepcionista do hotel, um cara que passava dos 30 anos e creio que quase todos eles sem a menor esperança de ver a situação do seu país melhorar. De longe, olhava pra nós o superior dele. Se afastou quando a conversa começou, mas não parecia reprovar. Não tenho dúvida alguma que o recepcionista esteve nas ruas todos esses dias que houveram protestos. Como ele, também estavam lá várias outras pessoas que vi, ou de certa maneira conheci, percorrendo o Cairo, sempre o mais longe possível das ruas que eram reservadas para enganar os turistas, onde o cidadão local não é (ou era) muito bem vindo.

As imagens nesta página mostram a cara das pessoas do Cairo fora da multidão, no que era o seu cotidiano até os dias finais de janeiro de 2011.